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Mochilas pesadas - Este tema que me assola

  • Foto do escritor: Té Carapinha
    Té Carapinha
  • 27 de out. de 2017
  • 9 min de leitura

Como já mencionei aqui anteriormente, este é um tema que me preocupa imenso. Convidei a Quiroprática Nídia Santos a falar-nos um pouco sobre o assunto.

"No que diz respeito a mochilas pesadas muita tinta corre e muita reclamação de alunos e encarregados de educação é feita mas pouca alteração parece surtir. A verdade é que as crianças e jovens continuam a carregar todos os dias por vários anos das suas vidas peso excessivo às costas. A piorar o cenário aparece o fato de estes anos serem cruciais em termos de desenvolvimento físico e estrutural destas mesmas crianças e jovens.

De certo que no senso comum não é novidade para a grande maioria o impacto que o peso excessivo das mochilas possa vir a ter em termos de alteração de postura ou dores e desconfortos. Dessa forma o meu objetivo será dar alguns dados científicos de estudos publicados pelo mundo fora relativamente ao assunto e suportar de forma mais precisa esse conhecimento do senso comum.

Relatórios realizados pela Associação Americana de Quiroprática revelam que as crianças de hoje estão a sofrer de dores de costas muito mais cedo do que gerações anteriores e que o peso excessivo carregado nas mochilas é um fator que contribui para tal. Nos Estados Unidos da América estima-se que 7000 pessoas deem entrada nas urgências por ano com queixas atribuídas ao carregar de mochilas excessivamente pesadas (1).

De acordo com um estudo desenvolvido em Dublin (2) sobre o efeito do peso das mochilas escolares em alunos do ensino básico, foi bem sublinhado que a preocupação não recai apenas sobre o peso das mochilas mas também no facto da estrutura física das crianças/adolescentes não estar desenvolvida o suficiente nem ser grande o suficiente para carregar o peso que a grande maioria carrega. O problema parece ser ainda mais evidente entre os 12 e os 14 anos de idade em que o rácio entre o tamanho corporal e o peso a carregar é mais desequilibrado. Ainda no mesmo estudo foi apurado que 65% do desconforto muscular reportado pelos alunos em estudo se localizava nos ombros e 30% do desconforto nas costas. A percentagem média de peso carregado encontrado foi de 18% do peso corporal do aluno; valor que é quase o dobro dos 10% de peso corporal aconselhado como máximo para o peso de uma mochila. Chegou a ser encontrado durante o estudo um saco com o equivalente a 30% do peso corporal.

Em 2017 foi publicado na Austrália um estudo a apresentar como fato consumado o aumento do número de crianças/jovens a sofrer de dores de pescoço devido a peso excessivo das mochilas, sendo igualmente frequentes queixas de dor pescoço e queixas de dores de costas em adolescentes (3).

Um outro estudo conduzido pela Associação Australiana de Quiropráticos (4) revelou que 90% das crianças em idade escolar apresentam má postura enquanto carregam as mochilas e que podem experienciar danos na estrutura da coluna vertebral como resultado. Foi ainda comprovado que 75% dos alunos não usam as mochilas de forma ergonómica, o que poderia prevenir ou minimizar tais danos.

Em 2004 um estudo publicado no Jornal Europeu da Coluna (5) menciona que danos degenerativos precoces na coluna vertebral associados ao “tema das mochilas” são testemunhados por dados clínicos e epidemiológicos, análises de fatores de risco, imagens de ressonância magnética feitas à coluna e dados imuno-histológicos, chamando à atenção não só para a problemática da questão mas também para a necessidade de prevenção.

Um outro estudo de 2008 (6) defendeu que as dores de costas percepcionadas pelos adolescentes e associadas ao transporte das mochilas se prende não só com o peso das mochilas mas também com a duração do seu transporte e a forma como são transportadas.

Em 2015, um estudo publicado no Jornal de Pediatria (7) refere que as meninas tendem a apresentar maior incapacidade e menor qualidade de vida do que os meninos nos domínios de funcionamento físico e emocional associadas ao transporte de mochilas pesadas, mesmo com peso semelhante das mochilas escolares entre os dois géneros. As crianças que reportaram dores na coluna lombar revelaram funcionamento físico e saúde física mais deficitários mesmo carregando mochilas escolares de peso identico ao daqueles sem dores de costas.

As alterações posturais associadas ao transporte de mochilas pesadas acontecem quer de forma estática quer em movimento. São várias as alterações na marcha aquando do transporte de mochilas com mais de 10% do peso corporal da criança/adolescente. Essa alterações começam a ser mais notórias quando o peso da mochila chega aos 15% do peso corporal, com automática inclinação do corpo à frente. Com o peso da mochila a atingir 20% do peso corporal as alterações mais frequentes na marcha são a inclinação acentuada do tronco à frente, o apoio bilateral feito com as mãos, se possível (em corrimões, outros objetos ou pessoas) e o passo torna-se mais curto e lento, com uma aceleração cardíaca mais relevante e mais tempo até voltar aos batimentos normais uma vez alcançado o descanso (8).

Bibliografia

(1) Negrini, S., & Carabalona, R (2002). Backpacks on! Schoolchildren’s Perceptions of Load, Associations with Back Pain and Factors Determing the Load. Spine, 27(2), 187-195.

[2] Schoolbag weight and the effects of schoolbag carriage on secondary school students. Dockrella, C. Kanea, E. O’Keeffea a School of Physiotherapy, Trinity Centre for Health Sciences, Trinity College Dublin,

(3)Heavy School Bags Biggest Pain In The Neck, Australian Spinal Research Foundation, March 9, 2017.

(4) Chiropractors’ Association of Australia ‘Backpack use among Australian School Children’ Fact Sheet

(5) European Spine Journal

December 2004, Volume 13, Issue 8, pp 663–679| Cite as

  • Low back pain prevention’s effects in schoolchildren. What is the evidence? Greet CardonEmail author, F. BalaguéEmail author

(6) Perceived school bag load, duration of carriage, and method of transport to school are associated with spinal pain in adolescents: an observational study. Clare Haselgrove, Leon Straker, Anne Smith, Peter O’Sullivan, Mark Perry, Nick Sloan 2011 Australian Journal of Physiotherapy Volume 54, Issue 3, 2008, Pages 193–200

(7) Quality of life, school backpack weight, and nonspecific low back pain in children and adolescentes Rosangela B.MacedoaManuel J.Coelho-e-SilvaaNuno F.SousabJoãoValente-dos-SantosacAristides M.Machado-RodriguesaSean P.CummingdAlessandra V.LimaeRui S.GonçalvesfRaul A.Martinsa

Volume 91, Issue 3, May–June 2015, Pages 263-269

Pediatric Journal

(8) Gait & Posture Volume 11, Issue 3, June 2000, Pages 254-259Changes in gait patterns in 10-year-old boys with increasing loads when walking on a treadmill YoulianHongaGert-PeterBrueggemannb

O que posso eu fazer como Mãe/pai?

Há vários procedimentos mais fáceis do que outros mas todos terão um impacto positivo, pelo menos muito mais positivo do que tomar consciência do problema mas não o abordar. Não se esqueça que é o bem estar físico atual e também futuro do seu filho (a) que está em jogo. Ainda neste ponto, e hoje a grande maioria de nós já o sabe, a parte física está intrinsecamente ligada à nossa parte mental/psicológica, ou seja, dores e desconfortos pelo corpo têm um impacto negativo na nossa atenção, concentração, motivação, empenho e desempenho, podendo chegar a afetar os resultados escolares.

Ficam aqui algumas dicas:

  • As indicações gerais e internacionais em termos de peso que as mochilas deverão ter aponta para um máximo de 10% do peso corporal da criança/adolescente (ex.: para uma criança com 35 a 40 kg de peso a mochila não deverá pesar mais de 3,5 kg a 4 kg; sabemos à partida que o peso diário das mochilas, com ou sem material de desporto ou lanche, facilmente consegue exceder estes limites);

  • Em caso de existência de cacifos na escola é importante que os pais ensinem os filhos a gerir o seu uso, de forma a que possa ficar no cacifo todo o material que de acordo com os trabalhos de casa não seja necessário (pode existir uma pequena agenda onde sejam anotadas todas as disciplinas que no presente dia passaram trabalhos de casa e se exigem o uso do livro); durante o dia o material de desporto e outro deve ser mantido no cacifo e as visitas ao mesmo serem feitas no maior número de intervalos entre disciplinas possível ou desejável; se a escola não tiver cacifos é urgente haver pressão dos pais nesse sentido;

  • As mochilas idealmente deverão ser preparadas na tarde ou noite anterior de forma a que haja mais tempo para “vistoria” por parte dos pais e monitorização do peso final;

  • Uma forma de percepcionar se o seu filho (a ) está a carregar peso excessivo ou apresenta fracasso ou cansaço muscular será a observação da forma como anda quando transporta a mochila, uma vez que qualquer uma destas situações, ou todas em conjunto, levarão a uma defesa automática do corpo, que obriga o tronco a inclinar-se à frente na tentativa de suportar o peso nas costas e não nos ombros (esta postura também pode estar presente se a mochila for transportada ao nível do “rabo” mesmo que com peso adequado);

  • Para transportar material de desporto ou outro poderá ser interessante o uso de um saco de apoio à mochila, não devendo este também ser demasiado pesado ou carregado por muito tempo com o prejuízo de causar assimetrias; deverá ser frequentemente trocados de uma mão para a outra.

  • Deverá ser o adulto a escolher a mochila ou pelo menos aquele que supervisiona as condições da mochila selecionada para compra:

  • Muitas vezes são as crianças/adolescentes que escolhem a própria mochila, o que parece lógico, uma vez que é algo pessoal deles, no entanto, o critério que têm em conta tende a ser o estético, muitas vezes guiado por publicidades e popularismos de ídolos ou personagens de ficção, sendo na grande maioria das vezes, estas, mochilas de fraca qualidade ou pouca noção ergonómica.

  • A estética deverá ser comprometida se a mochila desejada não: possuir alças largas e almofadadas para conforto dos ombros e melhor distribuição do peso; for robusta e de largura semelhante ao tronco da criança/jovem; tiver uma faixa para ligar à frente de modo a obrigar a mochila a se manter junto das costas em vez de andar à solta; possuir vários compartimentos para melhor arrumação do material; tiver uma base estável e resistente;

  • A mochila não deve ser demasiado grande pois terá tendência a permitir transportar mais peso e quando transportar menos os volumes andarão mais à solta, o que provoca mais transtorno e instabilidade no transporte.

  • O posicionamento da mochila relativamente ao tronco é imprescindível, dado que tem impacto tanto na postura como na percepção do mesmo peso transportado:

  • A mochila tem de ser transportada nas duas alças; o transporte apenas num dos ombros leva a uma distribuição assimétrica sistemática do peso para apenas um dos lados do corpo, levando a transtornos articulares, musculares e posturais mais precoces. Por iniciativa própria ou por imitação o uso da mochila apenas num dos lados tornou-se popular e até considerado mais “cool”, no entanto, os pais podem filmar ou imitar e deixar ver aos filhos o quanto traumático e pouco “elegante” parece alguém que usa o peso todo da mochila num dos lados e que obriga a uma postura toda “torta”, com um ombro mais elevado do que o outro e o corpo inclinado para o lado oposto para suportar o peso que o ombro não consegue; sem esquecer o constante esforço para que a mochila não escorregue do ombro;

  • A base/fundo da mochila não deve vir abaixo da linha da cintura, de modo a que a mochila fique estável contra as costas e o peso seja mais facilmente distribuído pelos ombros; uma mochila com alças muito longas e com o fundo à altura dos glúteos (rabo) não só anda à solta e causa mais dificuldade em transportar, como aumenta a percepção de peso nos ombros obrigando também à inclinação do tronco para a frente, mesmo em casos em que o peso da mochila não excede os tais 10% do peso corporal.

  • A disposição do material também importa na estabilidade do transporte:

  • Os objetos mais pesados deverão ir sempre no fundo e nenhum objecto irregular ou pontiagudo deverá ir junto das costas da criança/jovem;

  • Se possível usar diferentes compartimentos da mochila por forma a evitar que o material ande muito “à solta”.

Nota: Só uma dica a acrescentar que para já não é aplicável mas que talvez se os pais concordassem e se juntassem para fazer força nesse sentido algo pudesse mudar...

...Os livros escolares de cada disciplina são pesados e contêm todas as diferentes matérias e capítulos a abordar durante todo o ano. A questão que coloco prende-se com a possibilidade das editoras alterarem a forma como fazem os livros mantendo o seu conteúdo. Ou seja, fazer do livro tradicional uma espécie de “dossier” composto das diferentes matérias divididas em vários livros bem mais finos e leves. Deste modo, os alunos só teriam de carregar o livro referente ao capítulo/matéria que está a ser dada na altura em vez de ter de carregar com as matérias do ano inteiro cada dia, todos os dias que tenham a disciplina. Obviamente, caso possível, essa estratégia seria aplicada a todas as disciplinas. Seria eventualmente uma forma de as crianças/jovens poderem ter sempre o manual consigo e os planos dos professores não serem afetados pelo facto dos alunos não terem consigo os manuais sem sacrificar ao meso tempo bem estar físico e psicológico dos alunos."

Obrigada Nídia, pelo teu esclarecimento e sugestões.


 
 
 

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